quinta-feira, 25 de outubro de 2018


Folha do Campo
Terça-feira, 05 de junho de 2018

Mineirês: palavras “pititinhas”, “grandimais” e “deferentes”
Ana Carmelita de Moraes MilhomeM.

Quem disse que mineiro “come” palavras ou parte delas? Isso não é totalmente verdade, primeiro que mineiro come mesmo é queijo. Segundo porque ele não só diminui, como também acrescenta, altera de lugar e substitui fonemas nas palavras, modificações que geram vários impactos na pronúncia. Mas, como se chama esse fenômeno que acarreta tais mudanças nos vocábulos e expressões da língua? Os estudiosos do assunto denominam metaplasmos. Por outro lado, os mineiros não fazem ideia da nomenclatura, apesar de entenderem bem da sua aplicação.
Em Minas, quando alguém fica admirado por algum motivo, solta-se logo um “Nossa Senhora!”. Porém, essa interjeição se reduziu tanto que de “Nossa Senhora”, passou a ser “Nossa!”. De “Nossa!”, passou-se a “Nus!”, que virou “Nu!”. As supressões por apócope foram muitas e sucessivas, mas, por mais incrível que seja, o efeito expressivo parece ter aumentado com a diminuição dos sons. Nada impede, entretanto, que, para demonstrar uma admiração mais pensativa, utilizem-se as formas maiores.
Na mesa do mineiro, também há metaplasmos. Ele come mingau de “mii” verde e “roz” doce, mas, quando passa mal, em alguns casos, sente uma dor de “istomu disgramada”. Se a dor for forte, ele reclama que “dói dimai”. Já em outra ocasião, quando pronuncia “dói dimai” com a vogal fechada [o], ou seja, “dôi dimai”, quer dizer dois de maio ou doido demais, depende do contexto. Em algumas falas do mineiro, os metaplasmos são tantos que ocorrem até homonímia e paronímia. Calma! Muitos já estão sob controle dos estudos linguísticos que dão conta das aféreses em “roz doce”, das síncopes em “istomu”, da permuta em “disgramada” e dos demais casos.
Além de pensar em comida, o mineiro também deseja outras coisas, porém “vontade” é algo que não é comum em Minas Gerais. Lá o que se ouve muito mesmo é “vontá”: “vontá saí”, vontá trabaiá”, “vontá passiá”, “vontá falá”... O “de” não faz falta para demonstrar a intensidade do querer, porque mineiro não é bobo e emprega menor esforço para falar, mas mantém a sílaba tônica das palavras. Porém, faltou citar aqui uma das maiores vontades dos mineiros: a “vontá” de ir para os “Istasunidos”(Estados Unidos). Eles juntam rapidamente as malas assim como juntam o nome do país em uma palavra fonológica bem menor do que o nome composto original.
Os metaplasmos também estão presentes quando os mineiros vão visitar alguém. Se tiver um cafezinho à espera, eles dizem que não se importam com “sóli” (sol) quente ou “lubrina” (neblina). Caso seja noite, mineiro diz que basta usar a lanterna para “lumiá” (iluminar) o caminho. É desse jeito que o mineiro constrói suas falas: aumenta, subtrai, altera e troca fonemas. Faz um “sol” com paragoge, faz chover metaplasmos em “neblina” e usa aférese, síncope e apócope ao “iluminar”. Para o mineiro, só importa a simplicidade no falar. Se a palavra vai ser pronunciada de maneira intacta ou não, aí já é outra história...





        Longe das redes, sinto a minha vida mais física, mais real, mais nua e crua, mais palpável e com uma quimera natural. A longitude das redes resulta na longevidade da vida cotidiana.

 
   Nenhum monte de areia cresce sem os muitos grãos que vão se formando.